terça-feira, 18 de janeiro de 2000

APOCALIPSE

Estudo do livro da Revelação de João

A VOLTA DO SENHOR

Irmãos, não preciso escrever a vocês a respeito das datas e dos tempos em que essas coisas vão acontecer. Vocês já sabem muito bem que o Dia do Senhor virá como um ladrão de noite. Quando o povo começar a dizer: "Tudo está calmo e seguro", então, de repente, a destruição cairá sobre eles! Eles não poderão escapar, pois isso será como as dores de parto.

Mas vocês, irmãos, não estão na escuridão, e o Dia do Senhor não deve pegá-los de surpresa como um ladrão.

1 Tessalonicenses 5:1-4

Possivelmente existem poucas coisas que provoquem tantos sentimentos, mesclados de medo, assombro e desejos de crer, que o tema sobre as coisas futuras e o fim dos tempos. Século após século tem surgido pregadores e grupos com suas revelações e visões proféticas, assim como interpretações inovadoras das profecias bíblicas, causando comoção, controvérsia e, em algumas ocasiões até pânico.

Em décadas recentes este tema tem voltado a ter destaque. Esse interesse tem aumentado em função da proximidade do ano 2000 e da chegada do novo milênio. Muitas pessoas se dedicam a encontrar os significados das profecias bíblicas no contexto do mundo contemporâneo. As vitrines das livrarias religiosas estão repletas de livros a respeito do fim do mundo e da volta de Cristo.

Como movimento no contexto histórico, as Igrejas de Cristo Internacionais tem dado grandes passos na restauração do cristianismo. No redescobrimento e na implementação de princípios bíblicos como batismo, discipulado, a missão da igreja e outros; é um processo que não tem sido visto de maneira tão completa em toda história. Sem dúvida, a restauração é um processo contínuo, entretanto muitos discípulos não têm um entendimento claro dos ensinamentos bíblicos a respeito da volta de Cristo e dos últimos tempos. Vejamos o que a Bíblia diz …

OS PROFETAS DO FIM DO MUNDO

O estudo dos eventos relacionados com o fim das coisas se chama escatologia. A principal fonte de controvérsia é o livro de Apocalipse escrito por João. Existem quatro sistemas de interpretação principais referentes ao Apocalipse e às profecias bíblicas sobre o momento do fim:

O sistema alegórico - Este foi o dogma oficial do Catolicismo medieval. Neste sistema se interpreta o Apocalipse como um relato alegórico das etapas na vida cristã: a conversão, as provas, a vitória final, etc.

O sistema histórico - Foi a versão promovida pela Reforma Protestante nos séculos XVI e XVII. Neste sistema o Apocalipse é visto como um panorama histórico do cristianismo desde seu começo.

O sistema preterista - Foi um dos sistemas desenvolvidos pela Contra-reforma Católica. Aqui se interpreta que o Apocalipse se refere em sua totalidade aos eventos relacionados com a perseguição dos cristãos de Roma por parte do Imperador Nero no primeiro século.

O sistema futurista - Este foi o outro sistema desenvolvido pela Contra-reforma. No mesmo, o relato do Apocalipse se refere a eventos que irão acontecer no final do mundo.

O futurismo se infiltrou eventualmente nas igrejas protestantes e, é a interpretação que predomina nos nossos tempos. Ainda que os detalhes variem, as diferentes versões futuristas propõem que no fim dos tempos haverá uma série de sinais, como guerras e catástrofes naturais, na seqüência das quais os cristãos serão "raptados" para estarem nos céus. Por um período de 7 anos (ou 3 - dependendo da versão), chamado a Grande Tribulação, a terra estará sob o domínio de um poderoso líder, o Anticristo. Os judeus são perseguidos, porém 144.000 aceitam a Cristo. Finalmente Cristo voltará e derrotará o Anticristo e estabelecerá o Reino de 1.000 anos, após os quais Satanás levantará as nações contra o Reino de Cristo, porém será derrotado.

A variedade de interpretações tende a vir do emocionalismo diante de tempos de crise ou circunstâncias do momento histórico. Cada geração parece sentir-se como se fosse a "geração escolhida", a geração histórica na qual Deus estava pensando quando fez com que a Bíblia fosse escrita. É interessante que as interpretações de hoje em dia não sejam realmente tão inovadoras ou originais.

ROMA OU RÚSSIA? O CONTEXTO HISTÓRICO DA BÍBLIA

Para os preteristas, o monstro de Apocalipse 13 representa o Imperador Nero; para os historiadores representa o Papa; para os futuristas depende da época: por um tempo foi a Rússia comunista, mais recentemente é o emergente sistema mundial de comunicação e economia. Como devemos entender o significado do Apocalipse e de outras passagens bíblicas similares?

Primeiramente, temos que entender que estas escrituras pertencem a um gênero chamado literatura apocalíptica. É um gênero literário que foi comum entre os judeus durante tempos de crise. A literatura apocalíptica se vale de símbolos para apresentar sua mensagem e, o tema central é a idéia de que, apesar das circunstâncias, Deus há de salvar seu povo. No Antigo Testamento há vários exemplos de literatura apocalíptica, por exemplo, partes do livro de Daniel, de Ezequiel e de Zacarias. No Novo Testamento as encontramos no livro de Apocalipse.

Em segundo lugar, Apocalipse tem um contexto temporal e geográfico. Vejamos o que diz a introdução do livro (Apocalipse 1:1-6). O texto diz que vai revelar "o que acontecerá logo" e que "está perto o tempo". Portanto, qualquer que seja o significado do Apocalipse, havia uma mensagem relevante e acessível para os cristãos da época. Também diz o texto que a mensagem era dirigida às sete igrejas da província da Ásia. Novamente, os eventos descritos devem ter sido relevantes para os cristãos de Ásia, ainda que houvessem aplicações universais. Isto não é surpreendente, os historiadores nos dizem que Éfeso, cidade mais importante da Ásia, era a sede do ministério de João durante os últimos anos de sua vida (Eusebio de Cesarea, História Eclesiástica, Livro III, 23:1-6, Editora CLIE, Barcelona, 1988).

O que nos mostra esta introdução sobre as interpretações? Primeiramente, que o Apocalipse de João não se refere à perseguição por parte de Nero, porque esta já havia ocorrido quando se escreveu o livro e, seu impacto se limitou aos cristãos de Roma e não afetou aos da Ásia. Portanto, desde o princípio se descarta a interpretação preterista. Em segundo lugar, os eventos de Apocalipse deviam ser relevantes para sua "audiência", ou seja os cristãos da Ásia. As interpretações históricas e futuristas situam os eventos do Apocalipse no contexto histórico da Europa Ocidental e de eventos bem posteriores aos do Primeiro Século. É como se João tivesse dito aos cristãos da Ásia, em meio a seus sofrimentos, "Vocês estão sofrendo muito, porém deixe-me contar-lhes o que Deus vai fazer, dentro de 1.000 anos, nestes países que no entanto não irão mais existir…". Tal mensagem teria sido totalmente irrelevante para os cristãos da Ásia do Primeiro Século.

Outra coisa que vemos no texto introdutório é que se fala do Reino como algo já presente (v. 6). O Reino de Deus para os cristãos não era algo futuro mas uma realidade presente em suas vidas: Deus havia cumprido suas promessas através da vida, morte e ressurreição de Cristo. O Reino já estava sobre a terra e sua manifestação visível era a Igreja, o novo povo de Deus, não um Israel delimitado por barreiras étnicas ou de nacionalidade, mas uma comunidade de pessoas de todos os fundos étnicos, culturais e sociais. Este reino, já presente no cenário histórico, enfrentava um poderoso inimigo: o Império Romano em todos seus aspectos (político, cultural, religioso, sensual, materialista, etc.). O conflito entre Cristianismo e o Império Romano é o marco histórico para o Apocalipse de João. Ao invés de impor interpretações baseadas em nossas experiências ou circunstancias históricas, primeiro devemos entender o que se queria comunicar aos cristãos da Ásia no fim do Primeiro Século.

NÚMEROS E SÍMBOLOS

Precisamos entender algo sobre a linguagem da literatura apocalíptica. Este gênero se vale de símbolos que eram conhecidos pelas pessoas dessa época. Inclusive algumas das frases e palavras têm um contexto simbólico que pode parecer estranho para nós, porém não o eram para os primeiros cristãos.

Nossa sociedade também tem símbolos que são comuns para nós que no entanto daqui a mil anos poderão não significar nada para a sociedade do futuro. Pense nos seguintes exemplos e no que significam: uma luz vermelha e uma luz verde, um anel no dedo anular, uma pomba com um ramo no bico. Todos reconheceriam o que, hoje em dia, são símbolos de controle de trânsito, casamento e paz para nossa sociedade. Nas seguintes figuras podemos ver imagens cujo significado, para nós, é fácil de entender, porém o que significariam para as sociedades do futuro?

Os cristãos do Primeiro Século entendiam a linguagem simbólica do Apocalipse. Muitos desses símbolos eram usados, por eles mesmos, para falar, por exemplo, sobre o Imperador de Roma sem que fossem descobertos. Falar de "Babilônia" era menos arriscado que falar diretamente de Roma.

Os intérpretes futuristas se fixam nos números da literatura apocalíptica como quantidades literais. Na cultura do Oriente Médio e, em especial na literatura apocalíptica, os números tinham valores simbólicos, não aritméticos (ver tabela).

Número

Significado

1

União

2

Fortaleza ou algo reforçado

3

Deus, o divino

4

Número de totalidade ou plenitude; toda a criação (ex. 4 criaturas, 4 ventos)

5

Imperfeição, imaturidade ou falta de plenitude humana

6

Número do homem. 666= seis triplicado = homem (6) querendo ser Deus (3)

7

Perfeição, totalidade, maturidade, algo completo, êxito do plano divino

3 1/2

Tempo de instabilidade, tempo reduzido ou breve (i.e. incompleto)

10

Plenitude humana ou homem completo = 5 (homem) x 2 (reforçado)

1,000

Plenitude total ou algo incalculável

12

O propósito eletivo de Deus; a religião

24

Os redimidos (12 patriarcas e 12 apóstolos = os dois pactos)

144,000

A igreja = os escolhidos (12), reforçado (x12), em sua totalidade sem se poder contar (x1.000)

40

Uma geração; tempo que marca uma etapa no desenvolvimento do plano de Deus

Existem outros símbolos comuns na literatura apocalíptica (e na cultura daqueles primeiros cristãos). Por exemplo, a cor branca representa pureza; a mão direta representa autoridade.

Tendo todas estas idéias em mente, podemos entender as Escrituras, como as em Apocalipse, da maneira que os primeiros discípulos as entendiam. Assim sendo, entendendo as escrituras em seu contexto correto, podemos saber como aplica-las em nossas vidas.

POR QUE OLHAM PARA O CÉU?

Tendo visto o contexto histórico das Escrituras, voltemos para o futuro…Muitos que crêem e muitos que não crêem, às vezes se parecem com os discípulos em Atos 1:11. Estão olhando para o céu e perguntando: Quando? Como? Onde?

Talvez exista em cada um de nós uma curiosidade mórbida a respeito do futuro. Minha filha gosta muito de filmes de terror. É engraçado observa-la quando ela vê uma cena de muito suspense em um filme: ela põe as mãos sobre o rosto para cobrir os olhos, porém deixa os dedos um pouco separados para que tenha uma fresta por onde olhar. Somos assim com respeito ao futuro; talvez até digamos que não, que não nos importa, porém a verdade é que todos gostaríamos de saber o que vai nos acontecer. E se alguém nos diz que as tais profecias bíblicas estão se cumprindo em nossos dias, sentimos ainda mais curiosidade, porque nos faz sentir importantes, pelo fato de que Deus tenha escolhido nossa época para fazer cumprir todas estas coisas. É fácil se enganar desta forma.

Quando os discípulos estavam atônitos olhando para o céu, o que Deus queria que ficasse gravado em suas mentes? A resposta está no v. 8: o propósito de suas vidas era dar testemunho de Jesus em toda a terra.

Vejamos as seguintes escrituras: 1 Pedro 1:20; 1 João 2:18; Hebreus 1:2; 1 Coríntios 10:11. Nestas e em outras escrituras, se fala dos últimos tempos como algo contemporâneo aos cristãos do Primeiro Século, não como algo futuro. O propósito de Deus se havia cumprido. A vida, morte e ressurreição de Jesus selavam a vitoria do plano divino para a redenção do homem. O Reino e o senhorio de Cristo estavam estabelecidos. As promessas de Deus se haviam cumprido. O estabelecimento da igreja marcava o começo do tempo do fim, porque Deus havia concluído sua obra redentora.

Os primeiros cristãos, impulsionados por esta convicção, saíram a proclamar a notícia. Sua mensagem não era a respeito do que Deus pensava em fazer, mas do que já havia feito. O que ainda tinha que ser feito não era trabalho de Deus. Agora era o momento de responder, de arrepender-se e de viver como irmãos na nova família de Deus.

Por que não entendemos o Apocalipse de João? Porque não temos reproduzido a garra e a convicção dos primeiros cristãos. Porque desde o Primeiro Século não tem existido um movimento que gere a oposição e perseguição intensa da qual padeceram os primeiros cristãos. Nunca foi feito o que fizeram nossos irmãos do Primeiro Século, que desafiaram a autoridade de Roma, produziram mudanças na sociedade e evangelizaram sua geração. Devido ao impacto tão profundo daqueles primeiros cristãos e, devido à desafiante mensagem, o sistema social, político e religioso de sua época iniciou uma violenta reação contrária: foram perseguidos, encarcerados, torturados e executados, às vezes diante dos aplausos e alaridos das multidões que clamavam por seu sangue. Mesmo diante de toda essa oposição, ainda assim a Igreja se impôs.

Por que os falsos profetas do futurismo tratam de explicar a linguagem simbólica das Escrituras em relação ao momento contemporâneo? Por que as pessoas se deixam levar por esses ensinamentos? Porque queremos sentir que somos especiais, que Deus estava pensando em nó s quando revelou àqueles cristãos "primitivos" coisas que nem eles imaginavam, como aviação, bomba atômica, AIDS e televisão. Pensamos equivocadamente: "Com certeza isto é o que Deus queria dizer com toda essa linguagem nebulosa".

O DESAFIO MORAL DAS ESCRITURAS

Revisemos as seguintes escrituras: 1 Tessalonicenses 5:4-8 e 2 Pedro 3:8-12. Estas escrituras nos mostram de que maneira Deus fala ao homem de hoje. Não se trata de dizer ao homem "Veja o que vai acontecer e se sinta privilegiado de sabe-lo de antemão". A mensagem é mais como: "Considere que você não sabe quando tudo vai terminar, assim sendo mude sua vida agora". O entendimento de que Cristo poderia voltar a qualquer momento é um estímulo moral para que os cristãos vivam com maior devoção e santidade, e que preguem com mais urgência.

As pessoas que insistem em falar das teorias escatológicas, devem considerar o seguinte: É fácil falar com leviandade de dogmas a respeito do "Anticristo" e do Milênio, e deleitar-se com especulações do que vai acontecer nos próximos dez anos. Porém, o que você vai fazer nos próximos dez dias? Que tal falar de sua vida agora, da imoralidade, dos maus hábitos, dos seus relacionamentos superficiais, de sua apatia espiritual, de seu egoísmo ou de seu orgulho?

Por que insistimos em focalizar no futuro? Além de pura curiosidade mórbida, o fazemos porque não queremos lidar com o presente.

Muitos movimentos religiosos contêm uma dose de misticismo, com um enfoque subjetivo de "Deus dentro de mim" ou "Deus fala em meu coração". Isto produz uma religião de sentimentalismo e conveniência. É uma religião onde as mudanças morais não acontecem a não ser que se "sinta" que Deus está lhe chamando para fazer essa mudança. Honestamente, não parece que a maioria de nós tem uma grande comunicação com Deus, portanto o milagroso "chamado de Deus" se encontra com a linha ocupada. Assim sendo nos sentimos seguros de que Deus está relativamente satisfeito com nossa maneira de ser. E se é assim, por que mudar? Se Deus quer que eu mude, que me diga, e se não estou mudando que me deixe a mensagem.

O caso é que Deus já deixou sua mensagem…

O Deus da Bíblia não é um conceito abstrato. Não é uma consciência cósmica ou uma "Força" ao estilo dos filmes de Guerra nas estrelas. Não é uma coleção dos melhores ideais do ser humano, investidos de algum tipo de personalidade. Não se conhece a Deus se o conhecemos mediante experiências místicas ou revelações interiores do coração humano. Se conhece ao Deus da Bíblia por seus feitos, pelas ações concretas e constatáveis do que Ele tem feito dentro do curso da história. Deus tem feito grandes coisas, algumas espetaculares e outras menos chamativas, todas com um propósito em mente: ter uma relação pessoal e eterna com cada ser humano. A Bíblia é o documento histórico que relata este processo, essa é a maneira pela qual através da Bíblia chegamos a conhecer a Deus. Tendo a Bíblia ao nosso alcance, não é arrogante pedir a Deus que faça mais coisas, que nos dê mais evidências e nos diga o que vai acontecer no futuro?

O futuro começa hoje e começa com sua própria vida.

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